quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A vida do aqui e agora está solapada pelo BBB eleitoral

Na campanha eleitoral, a prática dos políticos e a pouca interação dos eleitores convencionou aquilo que se chama de "vale-tudo". Onde era para vigorar a história de vida e o diálogo, está a hipocrisia e o fingimento.
Basta ligar a TV e ver que cada frase que sai da boca dos candidatos reflete um mundo de faz-de-conta incapaz de se aproximar das conversas reais, do bate-volta dialógico, da visão crítica sobre si-mesmo e da consideração pelas reações dos interlocutores.
Os políticos transformam seus ouvintes em estátuas inertes, pois, abrindo a boca para falar de coisas tão importantes às pessoas mas de forma tão desconectada de suas reações, demonstram que não sabem mais o que é interlocução.
Tanto é assim que o bate-pronto dos diálogos dos debates exige um dia inteiro de preparo por parte das equipes de marqueteiros. E os debates reproduzem os monólogos sonsos em que todos são obrigados a defrontar a todos, mas ninguém de fato dialoga. Dialogam apenas com as normas do marketing, com as pesquisas e com seus medos de serem desmascarados. Ninguém se convence mais com os debates, sua forma está caduca e nem mesmo os âncoras acreditam nas constribuições que tanto proclamam.
O único modo observar um político é vendo-o em ação, conhecendo sua história de vida e descobrindo quais suas contribuições à coletividade. Procurar conhecer um político apenas através da campanha é permitir tratar-se como um boneco manipulável incapaz de reações humanas.
Por outro lado, as poucas situações de diaólogo espontâneo vividas nas ruas podem, de leve, dar indícios de quem são essas pessoas que julgam ser capazes de liderar as cidades onde vivem.
Bom exemplo disso é a questão em torno do respeito aos casais de mesmo sexo. Trata-se de um assunto de legislação, não de vida privada. Trata-se de direitos concedidos e interditados pela lei. As discussões em torno da questão são reflexo de história de vida e não de mera campanha. As posições em relação ao assunto demonstram muito mais do que "programas de governo".
Na última semana os três candidatos mais populares à prefeitura de São Paulo foram defrontados com a questão de forma mais ou menos imprevisível. Eis as reações:

Alckmin, numa feira evangélica:

"Quando o candidato foi questionado sobre sua posição a respeito da diversidade sexual, ele deu uma rápida resposta e tratou de mudar de assunto. 'Eu sou favorável [à diversidade sexual]. Mas eu queria destacar a importância da Expo Cristã, uma das maiores feiras do mundo de produtos e serviços para o mundo cristão'."

[Alckmin tenta conquistar evangélicos, mas foge de polêmica
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u444394.shtml]

Kassab, na mesma feira, dias antes de Alckmin:

"Antes de o prefeito subir ao palco, lideranças religiosas atacaram o homossexualismo. O deputado estadual Waldir Agnelo (PTB) lançou abaixo-assinado contra o projeto de lei complementar 122, de 2006, que criminaliza a homofobia.
Kassab não mencionou o assunto ao subir ao palco. Ele cantou o hino nacional acompanhado dos organizadores do evento e depois pediu aos pastores que orem pela cidade de São Paulo e por seu prefeito. (...) Antes de deixar o local, Kassab afirmou que não assinará o documento. 'A minha posição é a favor da diversidade sexual e tenho em todos os momentos me manifestado como cidadão e como prefeito'."

[Kassab abre feira cristã e nega assinar manifesto contra homossexuais
http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL753749-5601,00-KASSAB+ABRE+FEIRA+CRISTA+E+NEGA+ASSINAR+MANIFESTO+CONTRA+HOMOSSEXUAIS.html]

Marta, em encontro da Igreja Batista:

"A candidata da coligação 'Uma Nova Atitude para São Paulo' (PT-PCdoB-PDT-PTN-PRB-PSB), que propôs projeto da parceria civil entre pessoas do mesmo sexo quando era deputada, rebateu críticas de pastores ao projeto de lei complementar nº 122, que tramita no Congresso e aborda a punição da homofobia. A petista deixou claro seu ponto de vista. Ela disse desconhecer a proposta, mas se posicionou fortemente 'a favor do respeito à dignidade das pessoas'.
'Minha posição é que (o homossexual) não pode ser desrespeitado. Se for para xingar, dizer que é doente, eu sou contra', afirmou Marta. Ela acrescentou que deve ter uma "coerência na vida", referindo-se à sua formação de psicanalista e sexóloga. 'A minha posição eu sei e deixei clara qual é', enfatizou, reconhecendo entretanto, que possui uma postura divergente à da Igreja Batista.

[Em encontro com batistas, Marta defende homossexuais
http://www.atarde.com.br/politica/noticia.jsf?id=962187]

As duas primeiras posições mal podem ser chamadas de posicionamentos diante da questão. São posturas do tipo vale-tudo, manejadas pelo marketing da ambigüidade. A interpretação ingênua seria a de que pretendem agradar a todos os estratos sociais, mas todos sabem que as decisões institucionais, ainda mais numa questão dessas, não pode agradar a todos. Trata-se na verdade da orientação que os políticos em campanha recebem de seus assessores para que evitem ao máximo as polêmicas para que não aumentem o percentual de sua rejeição.

A terceira é, de fato, um posicionamento. Político, ideológico e de vida. Todos sabem o que ela pensa do assunto e se ainda não soubessem, com suas declarações, ficariam sabendo. No mesmo artigo, seu autor escreve: "Após o término do encontro, o pastor Gésio Duarte Machado, diretor do Colégio Batista, foi diplomático e avaliou que a petista 'foi clara e aberta', ressaltando que ela 'tem sua postura'."


Não se trata de defender a candidata, ou sua proposta, mas de apresentar discursivamente o modo como os políticos podem ou não tratar os cidadãos de forma digna. A dignidade não está só no saneamento, segurança, trânsito, saúde, educação, etc. A dignidade começa com o discurso, quando aquele que fala incorpora o outro nas suas frases. Não temos as imagens das declarações de Alckmin e Kassab, mas se pudéssemos imaginar, diríamos, que falam olhando para baixo, para os lados, olhando no relógio, mas nunca nos olhos do interlocutor. Isso porque não querem ser olhados nos próprios olhos, têm medo de ser mostrar, de serem reconhecidos, de se posicionarem. Marta é diferente, ela mostra, olhando nos olhos do seu outro que está presente e que o que conta não é o marqueteiro, mas a história de sua vida.

É preciso abandonar o formato atual, que é uma tragédia lingüística. Ninguém mais acredita no simulacro tosco dos debates televisivos, que são BBBs eleitorais e eleitoreiros. Não serão necessários sistemas de campanha, mas a não campanha, onde a história e o diálogo voltem à cena. Os bonecos eleitores e candidatos devem ser solapados pelo aqui e agora das conversas rápidas. Cabe ao jornalismo ser a testemunha ocular dessa realidade, que existe mas está obscurecida pela grandiloqüência dos diálogos sem interlocutores, das respostas que respondem ao que não se perguntou e pior: das respostas que não convergem com os históricos de vida. A história do presente poderá ser escrita pelo jornalismo, se um dia ele parar de privilegiar os simulacros narrativos e definir-se novamente como dialógo crítico que faz interagirem o leitor e o noticiado.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Nunca se viu na história desse continente...

Em 09 de setembro de 2008, jornais brasileiros e argentinos publicam notícia sobre uma decisão estratégica para a economia dos dois países: o dólar não será mais obrigatório no comércio bilateral.

As fotos das capas são signos das posições ideológicas.

O brasileiro adota a estratégia de se opor ao presidente Lula, mesmo que, para isso, a frivolidade supere a importância da notícia:



Lembre-se que o Estadão se opõe assumidamente ao presidente Lula desde as eleições, propondo em seu editorial o voto a favor do outro candidato, na época o governador José S.

Para o jornal El Clarin, o alinhamento entre os dois países, o acordo e o entusiasmo de uma vida sem a regência do dólar são recuperadas na imagem festiva do casal de presidentes:



Duas imagens dizem mais do que mil palavras ao quadrado!

Mas mesmo assim, é preciso dizer algo mais:

Os leitores do jornal brasileiro quando assinam ou simplesmente o lêem têm em mente que estão diante de um produto que quer enfiar-lhes uma ideológia goela abaixo?